"No tempo do terrão": o futebol amador em Uberlândia

4/14/20252 min read

No tempo do terrão.

Realizado com sensibilidade e escuta atenta aos depoimentos e aos arquivos, o trabalho de montagem e construção de roteiro do filme No tempo do terrão foi um processo imersivo, orientado por uma busca constante de equilíbrio entre a memória e o presente, o gesto e a voz. Com 55 minutos de duração, o documentário, dirigido pelo cineasta Cris Barbora, pelo antropólogo Marco Paraná e pelo publicitário Alderico Lucas, percorre o vasto universo do futebol amador em Uberlândia, explorando as múltiplas formas como essa prática se conecta á cidade.

O filme nasce do encontro com os protagonistas dessa história: jogadores, dirigentes, torcedores e entusiastas que, ao longo de décadas, mantém um circuito boleiro ativo em vários espaços de Uberlândia. Suas falas, registradas em entrevistas densas e afetuosas, constituem o eixo central da narrativa, revelando memórias pessoais, tensões políticas, laços comunitários e formas de resistência cultural. A montagem, realizada a partir desse rico material, buscou preservar a autenticidade das falas, ritmando os depoimentos com pausas, olhares e respiros, valorizando tanto o que é dito quanto o que pulsa nas entrelinhas.

Tão importante quanto os relatos, abastece o filme um considerável acervo de imagens de arquivo — fotografias, jornais, reportagens antigas — que são rastros quase perdidos de campeonatos históricos, personagens marcantes e cenas emblemáticas dos campos de várzea. Esse material é tratado com cuidado estético e narrativo, compondo com as imagens atuais um mosaico de temporalidades que dialogam e se atravessam. As filmagens contemporâneas, por sua vez, capturam os jogos atuais, os treinos, os bastidores e a vibração das torcidas, revelando que, mais do que um passatempo, o futebol amador segue sendo um importante elo social e afetivo entre bairros, gerações e trajetórias de vida.

Ao longo do processo de roteiro, a opção foi por uma estrutura aberta, sensível à fala dos entrevistados e ao ritmo próprio das imagens. Em vez de uma narração onisciente ou de uma linha cronológica rígida, o documentário aposta em uma costura orgânica, guiada pelas vozes que emergem da cidade e dos campos de várzea, de terra, institucionais, públicos, autogestionados, improvisados etc., onde se joga muito mais que bola — se joga pertencimento, identidade, memória e sonho.

O resultado é um filme que fala de Uberlândia, mas que ecoa para além de seus limites geográficos. Um retrato do futebol amador como força cultural viva, construída coletivamente e sustentada por paixão, resistência e improviso. Um testemunho audiovisual que documenta, celebra e provoca.